Os resultados decepcionantes das eleições municipais, com a direita conquistando um número expressivo de vereadores e prefeitos, levaram a esquerda a buscar rapidamente as causas dessa derrota. Segundo a maioria das postagens nas redes sociais e declarações de lideranças progressistas, a defesa do chamado "identitarismo" teria sido o principal fator para o fracasso.

Unindo Forças, Conquistando Vitórias

Identitarismo: Uma Estratégia Eleitoral Questionável?

O prefeito reeleito de Recife, João Campos, é um dos políticos que reforçou publicamente essa teoria. Em entrevista ao programa Roda Viva, ele explicou que sua vitória incontestável se deve, em parte, a ter se mantido distante dessas pautas "identitárias". Para Campos, "teses identitárias têm menor capacidade de resultado eleitoral" e, portanto, é importante construir um caminho que evite essa discussão.De fato, ao defender a reparação de injustiças contra grupos oprimidos, o candidato corre o risco de perder o apoio de eleitores pertencentes aos grupos opressores, incluindo os de esquerda. Defender os direitos da população negra, por exemplo, pode ser uma bandeira antipática para muitos eleitores brancos. O mesmo acontece com pautas relacionadas aos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIA+.Nesse sentido, o argumento de Campos de que "o povo está cansado dessa briga e de divisão" parece fazer sentido. Afinal, a sociedade já está dividida entre exploradores e explorados, racistas e antirracistas, machistas e feministas. Seria então aceitável esconder essas injustiças em prol da vitória eleitoral?

Luta de Classes e Identidade: Uma Relação Complementar

Alguns críticos acreditam que a luta de classes é a única referência necessária para resolver as questões populares. No entanto, essa visão não percebe que, mesmo dentro das classes, existem subdivisões e opressões específicas.Em uma favela, por exemplo, as condições socioeconômicas podem ser semelhantes para todos os moradores, mas os favelados negros, as mulheres e os homossexuais sofrem mais. Mesmo quando alguns problemas sociais são resolvidos, essa subdivisão persiste. Relatos de pessoas que alcançaram sucesso profissional e renda satisfatória, mas ainda enfrentam discriminação por cor, gênero ou origem, são inúmeros.Portanto, as pautas "identitárias" não devem ser vistas como uma ameaça à luta de classes, mas sim como complementares a ela. A luta de classes é a base que orienta a busca pela igualdade socioeconômica, enquanto as pautas "identitárias" abordam aspectos da injustiça social que a economia por si só não consegue resolver.

Identitarismo: Conquistas e Desafios

É importante lembrar que a mais importante conquista social do Brasil nos últimos tempos se deve a um movimento "identitário". Em 12 anos, a Lei de Cotas nas universidades públicas mudou radicalmente o perfil dos alunos, com a maioria sendo negra desde 2019.No entanto, não faltam exageros e questões mal resolvidas no campo do "identitarismo". O uso equivocado de conceitos, como o de "lugar de fala", que muitas vezes serviu para excluir dos debates alguém que não pertencia ao grupo oprimido, é um exemplo disso. Quando bem utilizado, o conceito de "lugar de fala" visa dar voz a personagens oprimidos que nunca foram ouvidos em discussões sobre temas que lhes dizem respeito.Essas diferenças entre os "identitários" e os progressistas que têm a luta de classes como única referência deveriam ser resolvidas em discussões mais maduras e menos sumárias. Afinal, a esquerda precisa buscar as verdadeiras causas da derrota nas eleições de 2024, evitando eleger bodes expiatórios que não resolverão o problema.